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terça-feira

Trecho de "Os dragões não conhecem o paraíso" - texto escrito a 4 mãos junto com Pietro Picolomini

Parte VII - Amo mulheres que dizem tolices, amar é se lançar às águas

Ela - Disse que você tinha gostado do texto dela e disse que você ia gostar de conhecer ela. Ela disse que não queria te conhecer pra não se apaixonar por você.
Ele – Por que foi dizer que eu gostei do texto dela?Era uma merda!
Ela - Pra ela ficar contente.
Ele - Quando eu encontrar com ela vou dizer que achei uma merda. Olá muito prazer, então foi você quem escreveu aquela bosta?
Ela - Não vou apresentar vocês.
Ele - Você tem medo que ela se apaixone por mim ou que eu me apaixone por ela?
Ela - Você não iria gostar dela, acha o texto dela uma merda...
Ele - Geralmente amo mulheres que dizem bobagens.
Ela - E por isso não me ama.
Ele - Você diz muitas tolices, mas vamos dizer que é por isso também. Não gosto de você porque não me mostra seus desenhos. Tenho certeza que me desenha. E não gosto de você porque me ama e fica falando nisso, isso enche o saco.
Ela - Você me ama e não sabe. Quando for embora vai saber e vai doer tanto que você vai chorar que nem criança e se lembrar do cheiro dos meus cabelos...
Ele - Pragas não pegam em céticos.
Ela - Você não é cético, você tem desejos.
Ele - Se você me desenhar antes de eu viajar, talvez eu ame você.
Ela - Isso é uma condição? Quer dizer que se eu mostrar um desenho meu, você vai me amar?
Ele - Penso no seu caso.
Ela - E eu vou pensar no seu.
Ele - Não acho que você seria capaz de produzir uma imagem de mim.
Ela - Não acho que você seria capaz de me amar.
Ele - Então estamos quites. Você trocou de xampu?
Ela - Não acredito que está me perguntando isso a sério. Não, não troquei, por quê?
Ele - Porque fiz uma aposta com um amigo meu.
Ela - Você apostou com quem o quê?
Ele - Apostei que se você trocasse de xampu eu te arrastaria pelos cabelos.
Ela - Você já anda me apostando por aí?!
Ele - Cada um aposta o que tem.
Ela - Belo texto professor, mas não levo jeito para sua aluna. Não há nada que você possa me ensinar, nem nada de que você possa me convencer. Não gostaria de ser maltratada.
Ele - (pausa) Eu jamais maltrataria você. Me surpreende que você tenha pensado nessa possibilidade.
Ela - Eu sempre penso em todas as possibilidades.
Ele - Isso é só um relacionamento não precisa usar de estratégias de guerra.
Ela - E você sabe em que possibilidade estou pensando agora?
Ele (olhando um instante para ela) - Sei. Você cogita a hipótese de me convencer de não viajar.
Ela - Claro que não.
Ele - Você pensa em tudo que poderia me dizer que me convenceria a ficar aqui. Como você sabe que sou cabeça dura vai tentar apelar para coisas práticas como a minha estabilidade no emprego, o aluguel barato, a facilidade de locomoção...
Ela - Você nunca se convence por argumentos práticos. Você se convence por tolices. Mas não quero te convencer de nada. Eu pensava na possibilidade de não gostar de você nem um pouco. Pensava na possibilidade de te odiar.
Ele - Impossível odiar alguém como eu. Eu sei ser amável.
Ela - Ninguém odeia você?
Ele - Alguém odeia você?
Ela - Deve ser meio sem graça quando ninguém odeia a gente.
Ele - E o que é mais instigante, ser odiada ou ser amada?
Ela - Quando alguém odeia a gente dá mais vontade de fazer coisas bonitas, se alguém deseja sua morte, isso te dá mais vontade de estar vivo. Quando alguém ama você é como se jogasse uma pedra num lago quieto. Formam-se ondas, o lago inteiro, antes parado, se agita. Mas como ele tende ao repouso, logo voltará ao seu estado inicial... só que a pedra fica lá no fundo. Algo mudou. Amar não muda a natureza das coisas.
Ele - Bonito pensamento:Amar é se lançar às águas ...meio suicida isso...
Ela - Para amar alguém é preciso se odiar um pouco, lançar mão de si mesmo.
Ele - Onde você leu isso?
Ela - (suspira) Deve ter mais gente que te odeia do que você pensa.

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