Ato I
Duas personagens em cena. A primeira caminha observando ao redor atenta, sempre acompanhada da segunda, meio entediada. Param diante de algo. A personagem Um fala:
Um (apontando) – E aquilo?
Dois – O quê?
Um – Aquelas pessoas.
Dois – Que tem?
Um - Quem são?
Dois – Apenas pessoas.
Um – De onde?
Dois – Artigos orientais.
Um – São caras?
Dois – Não acho.
Um – Quanto custam?
Dois – Quinze mil.
Um – A prazo?
Dois – Três parcelas.
Um – Sem juros?
Dois – Sem juros.
Um – Têm garantia?
Dois – Dois anos.
Um – Que beleza!
Dois – É promoção.
Um – Aceita cartão?
Dois – Mas claro.
Um – Vou levar.
Dois – Que mais?
Um – É só.
Dois – Quer embrulhar?
Um – Seria bom.
Dois (enquanto embrulha) – Não esqueça.
Um – De quê?
Dois – De podar.
Um – Por quê?
Dois – Elas crescem.
Um – Mas muito?
Dois – Sim, muito.
Um – E então?
Dois – Poda-se...
Um – Quais partes?
Dois – A cabeça.
Um – E só?
Dois (termina o embrulho) – É suficiente.
Um (saindo) – Pode deixar.
Dois – O troco.
Um – Ah! Obrigado.
Dois – Volte sempre.
Ato II
Casal entra no restaurante elegante. Num gesto gentil ele puxa a cadeira para ela. Sentam-se, olham-se. Ele sorri para ela e depois começa a olhar em redor. Um garçom corre para lá e para cá, atendendo mesas imaginárias.
Ele – Ei, garçom!
Garçom – Pois não.
Ele – O cardápio.
Garçom – Com licença.
O garçom traz dois cardápios e continua atendendo as mesas imaginárias. O casal examina atentamente o menu num silêncio solene. Finalmente se manifesta.
Ele – Ei, garçom!
Garçom (voltando) – Já escolheram?
Ele (apontando o menu) – Mas claro.
Garçom (anotando) – Boa pedida.
Ele (olhando para Ela) – Oh, sim.
Garçom – Sem sal?
Ele – Por favor.
Garçom (para Ela) – A senhorita?
Ela não tira os olhos dele, apenas aponta o menu sem nada dizer.
Garçom – Mal passado?
Ela – Por gentileza.
Garçom – Para beber?
Ele –Aquele ácido.
Garçom – Nova safra?
Ele – Se tiver.
Garçom – Sim temos.
Ele – É só.
Garçom sai. Casal troca olhares apaixonados. Dão-se as mãos e não tiram os olhos um do outro por um só momento. O garçom retorna com duas travessas cobertas deposita-as sobre a mesa e retira as tampas. Na travessa dela há um pé visivelmente humano, ensangüentado. Na dele, olhos bóiam numa substância que parece uma sopa.
Ela (com olhos brilhantes) – Está fresco!
Garçom – Bom apetite.
Iniciam a refeição e o fazem refinadamente. Mastigam devagar, saboreando.
Ele – Está bom?
Ela – Sim, está.
Ele (vendo algo em sua sopa de repente) – Ei, garçom.
Garçom – Pois não.
Ele (apontando) – Um cabelo.
Garçom – Como, senhor?
Ele – Na sopa.
Garçom – Que cor?
Ele – Ruivo.
Garçom (apontando para o pé) – É dele.
Ele – Não importa.
Ela – Traga outro.
Garçom – Mas senhorita...
Ela – E depressa.
Garçom – Está bem.
Ele – E quente.
Garçom (retirando o prato dele e saindo) – Mil desculpas.
Ele – Essa gente...
Ela – Uns bárbaros.
Ele – Sem higiene.
Pausa
Ele – Te amo.
Ela – Eu também.
Texto para Oficina de Texto Prof. Magno – Agosto 1998
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