Páginas

quinta-feira

Rosa branca

Levantou com o cheiro dele no corpo. Passou o dia inteiro e não saiu.
Ele foi levar o carro pra lavar, nem precisava, força do hábito.
Uma moça no caixa masca chicletes e isso faz ele lembrar de um filme. Como era mesmo o nome dela?
Ele é pontual sempre. Chega com a noite uma vontade de um monte de coisa: de sair, de ficar, de gritar, de beber.
Falavam assim: Conversando a gente se entende. Ele nunca entendeu.
O gosto não sai da boca também. Café forte, fica a língua até marrom.
Achar o homem ideal. Ele nunca entendeu.
Foi até a casa da mãe e levou umas compras pra ela. Ela sabe, talvez sinta o cheiro.
Ele achou o homem ideal por hoje. Aroma de madeira. Pele de madeira. Assim. Talvez um pouco mais de gordura caísse bem; não importa.
Ele vai levá-lo ao mesmo lugar de sempre, força do hábito. Beber também só por hábito, herdado dos tempos de faculdade, tempos de sua primeira vez em tudo.
Uma moça se apaixonou por ele. O nome dela foge, mas o curso era de exatas.
Da mãe vai herdar a casa e as dívidas.
Só precisou ir a um enterro na vida, o do pai, por isso não suporta cheiro de flores. Ele teve um namorado fixo uma vez, meio hippie que tocava violão e fazia poemas, mas o cara chapava demais.
Isso de música, sim. Mas só eletrônica.
Aquela moça no reveillon com unhas vermelhas e pele de seda. O que era aquilo? Parecia modelo. Só faltava essa: brincar de boneca!
O fogão está sujo de leite ainda e dá mais preguiça porque secou.
Vem com a manhã uma solidão de estar em casa. Chega do vizinho cheiro de café e pipoca de microondas que dá enjôo.
A mãe reclamou porque ele levou o sabão tal. Brigaram. Só faltava essa: brincar de casinha.
Passou um dia inteiro no computador.
De repente pensou que nunca mandou flores pra ninguém. E logo mudou de assunto consigo mesmo.
Experimentou deixar cavanhaque. Seu homem ideal daquele dia aprovou.
Seu homem ideal daquele dia ainda é um menino, jovem o suficiente pra precisar de um pai.
De repente, no mercado, ele esbarra com o menino repondo bebidas nas prateleiras. O cheiro é de suor.
A lata cai no chão quase sem fazer barulho, mas molha o piso e sobe o odor de cerveja. Ainda assim os olhos não se despregam por alguns segundos.
Sem mais nem menos ele resolve comprar uma rosa branca naquele dia.

Um comentário:

Richard disse...

Ele gosta de carinho.