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domingo

Clarice e eu

Em 1992 eu tinha 15 anos e lia Clarice Lispector como quem bebe água. Assim permaneci até cerca de 18 anos.
Fui admiradora profunda de duas pessoas de cabelos azuis. Um deles apareceu um dia com uma camiseta onde se lia: "I wanna be a gay". Eu não sabia inglês e era bastante confusa com relação à minha sexualidade. Foi ele quem me disse pra desencanar de Clarice e ler outras coisas, que havia escritoras muito melhores que ela. Só porque ele tinha cabelos azuis, ouvi o conselho, mas não imediatamente. Primeiro li bastante e até reli algumas obras como numa despedida.
Fato: desde então, cerca de 13 anos se passaram sem que nunca mais eu tivesse contato com esta escritora que tanto inspirou-me o desejo de escrever.
Há alguns dias vejo na TV um trecho de "De corpo inteiro - entrevistas", filme que brinca entre a ficção e a realidade numa parte do universo desta escritora que eu desconhecia. São várias atrizes interpretando uma Clarice que conversa com escritores, artistas ... até mesmo o Niemeyer. Durante um período de sua vida, ela realmente realizou estas entrevistas publicadas em jornais e revistas numa coluna chamada "Diálogos possíveis com Clarice" e reeditadas no livro "De corpo inteiro". Na verdade não gostei muito do filme, muito embora a idéia seja bem interessante. Com exceção de Aracy Balabanian, que está esplêndida, as outras atrizes não são Clarice e tudo dá uma impressão de artifícios, ao contrário das entranhas expostas que a escritora buscava na sua literatura. Contudo, algumas entrevistas são realmente boas, como a de Ferreira Goulart, Tônia Carreiro e a de Nelson Rodrigues. Tônia diz e concordo: " O que mais interessa na vida é ser amada."
Por causa deste filme voltei a Clarice, começando por "Uma aprendizagem ou o livro dos prazeres". Infelizmente achei o livro bastante desinteressante, salvo algumas passagens que seguem:

"Eu sou mais forte do que eu."

"Temos mantido em segredo a nossa morte para tornar a nossa vida possível."

"Falar no que realmente importa é considerado uma gafe. Não temos adorado por termos a sensata mesquinhez de nos lembrarmos a tempo dos falsos deuses. Não temos sido puros e ingênuos para não rirmos de nós mesmos e para que no fim do dia possamos dizer 'pelo menos não fui tolo' e assim não ficarmos perplexos antes de apagar a luz. Temos sorrido em público do que não sorriríamos quando ficássemos sozinhos. Temos chamadode fraqueza a nossa candura. Temos temido um ao outro, acima de tudo, e a tudo isso consideramos a vitória nossa de cada dia."



Em todo caso aí vão os links:
1- do blog da diretora Nicole Algranti, que é também sobrinha de Clarice
2- da poesia de de Clarice musicada por Cazuza e cantada aqui por Cássia Eller

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