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quarta-feira

Fragmentos de uma biografia inventada

Dois fragmentos de uma Pequena Biografia literária que estou inventando para enfeitar a noite de meu bem
I
No clarear do dia vou para o roçado
A capinar.
Até de tarde eu tiro meu eito.
Arranco inços, juás, tranqueiras...
E bosta e bugiu que não serve nem pra esterco
Abro a terra e boto as sementes.
Deixo as sementes para a chuva enternecer.
Dou um tempo.
Retiro de novo as pragas: dejetos de anta, adjetivos
Retiro os adjetivos porque eles enfraquecem as plantas.
E deixo o texto a germinar sobre o branco do papel
em pura masturbação com as pedras e as rãs.
II
Meu Deus! vão dizer que eu não existo propriamente dito.
Que sou um ente de letras.Vão dizer
Que tenho vocação para chocalho porque só gosto de ouvir o rumor das palavras.
Meu pai costumava falar: Quem acha bonito e pode passar a vida a ouvir o rumor das palavras--
é, no mínimo
um ente de sílabas
Um ente letral. Ou um tonto.
Eu teria 12 anos
De tarde fui olhar de Corumbá a Cordilheira dos Andes que se perdia nos longes da Bolívia.
Minhas letras se iluminaram.
Fiz o primeiro verso da minha vida:"Aquele morro bem que entorta a bunda da paisagem."
Paisagem tem bunda? -- um cientista perguntou
Meu pai disse: Agora você vai ter que assumir as suas verdadeiras irresponsabilidades
Vai ter que passar os dias a costurar as roupas que possasm caber nas suas imagens.
Nunca mais parei de costurar as roupas que coubessem nas minhas imagens.
Poema de Manoel de Barros

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