sexta-feira
Simon Reynolds e os Smiths
A petulância é o ponto forte de Morrissey. Petulância e MELANCOLIA. É por isso que ele já foi demonizado como retrógrado, sentimentalóide, alguém com complexo de mártir. Por trás do escárnio, a indireta é que falta na arte de Morrissey uma virilidade fundamental Artistas femininas podem ser vulneráveis, delicadas, porque isso corresponde à idéia da mulher como falta. Mas num homem, essas qualidades só indicam uma frouxidão repugnante do ser. Melancolia remete a FRESCURA. Não que as acusações estejam incorretas. Morrissey é retrógrado, ele não pode crescer como artista ou pessoa porque está viciado em sua própria neurose, viciado em melancolia- que é, afinal de contas, o sabor de sua própria derrota, de sua própria incompletude.(...) Qualquer um que tenha idolatrado sua dor tentando prolongá-la, brincando coma a idéia de exacerbá-la; qualquer um que tenha sido levado a demorar-se dentro dela, mesmo quando já pudesse estar recuperado, há muito tempo, preferindo a companhia de fantasmas à falta de sonhos da sociabilidade cotidiana, qualquer pessoa nessas condições entende a melancolia.(...)Os Smiths trouxeram de volta às paradas algo que o pop parecia ter deixado pra trás - a adolescência. O new pop rapidamente parou de querer aproentar e sossegou numa maturidade pós-rock e pós-adolescência vendendo fantasias cafonas de sofisticação para uma geração de tietes teens cujo único desejo era ficar adultas o mais rápido possível. Os Smiths, por outro lado, forneceram fantasias de inocência para aqueles em dias de deixar pra trás sua adolescência. (...) Morrissey é o paradigma de um certo tipo de masculinidade inibida e etérea, que preferiria viver sonhando a arriscar se frustrar com a realidade. (Morrissey investe sua emoção em ídolos imaculados, de preferência mortos, como James Dean, em vez de ter que lidar com a confusão e o embaraço de qualquer encontro real).Situadas no espaço entre as restrições da infância e as da carreira, estas pessoas sonham por um tempo desejar algo vagamente melhor da vida, mas se entristecem com esses sonhos porque no fundo sabem que eles provavelmente vão abandoná-los e que acabarão se curvando a uma vida medíocre. Quando isso acontece os discos ficam mais difíceis de escutar, a música acaba se tornando uma reprimenda, trazendo á tona os incõmodos fantasmas dos sonhos prematuramente desfeitos. (...) E é por isso que, no fim, muitas pessoas desistem da música pop. O new pop, longe de ser um brilhante novo começo, acabou apenas sendo a inauguração do soul de designer globalizado, a trilha sonora para a nova cultura yuppie da saúde e da eficiência. Bem na cara do totalitarismo benigno do lazer capitalista e de sua filosofia de auto-ajuda pré-fabricada, os Smiths glamorizaram a fraqueza e a doença, defenderam a abstenção a abstinência, o fracasso em atingir cotas de desfrute.(...)(...)Finalmente, com a agonia misógina de Nick Cave, o classicismo de pele doce do Jesus and Mary Chain e o olhar eternamente não correspondido dos Smiths, aconteceu a volta do romantismo em toda sua pureza e privacidade. O pop havia voltado a ser o que sempre tinha sido: o pessoal como o domínio em que o sentido da vida é resolvido. O romantismo - o sonho do amor Redentor que será o Paraíso na Terra, resolverá todos os conflitos e acabará com o isolamento - tomou o lugar da religião como o ópio do povo do século XX.(...)(...) Os Stones e sua época tinham a ver com sair de casa; os Smiths e nossa época são sinônimos do anseio angustiado por um lar.Texto de Simon Reynolds, 1988 na Melody Maker. Coleção Iêiêiê, editora Conrad.
Assinar:
Postar comentários (Atom)
Nenhum comentário:
Postar um comentário