Páginas

terça-feira

Terapeuta

Terapia I


Não vá. Preciso muito falar com vc. Eu amo falar com vc. Não entenda isso como uma cobrança, mas vc leu o que eu te escrevi?... Me desculpe. Acho que eu sou muito invasiva. É que quase não consigo conversar com ninguém. Acho que, na verdade, a maioria dos meus namorados serviam mais pra conversar. Essa coisa de sexo acho que eu até desenvolvi bem quando separei do amor, mas agora pra juntar de novo tá foda.
Senta aí, vamos comer alguma coisa, por favor. Então, na verdade não era pra falar de sexo, mas... ou melhor era sim, mas não tenho coragem. ...É, agora já comecei. Eu não sei conversar sobre nada eu só disfarço muito bem, ou muito mal. Nem mentir eu sei. ... Tô. Tô tentando mudar de assunto. (suspiro) Mas pra ser sincera me incomoda sua recusa. Eu ainda não entendi bem se é uma recusa mesmo mas suponho que sim. É que eu nem sei como vc é para essas coisas, mas eu sou muito complexada ainda e sempre acho que é algo errado comigo... sabe eu vi um filme uma vez... Encontros e Desencontros, já viu? Eles nem se beijam, mas precisam se encontrar toda noite e conversam... Acho que é isso. Não lembro quando é a primeira vez que eles se tocam, mas foi parecido com o sonho que eu tive com vc...tive vergonha de te contar essa parte... é, eu não contei todo. Tinha um pedaço em que eu estava muito cansada, com muito sono e tinha uma galera dormindo no salão social e já era segunda-feira e ia ter sua aula, enfim. A gente ficava lá e vc chegava para dar aula e vinha conversar comigo e eu te contava o que tava acontecendo, mas eu tinha acabado de acordar e tava com muito sono. Daí vc deixava eu encostar no seu ombro e cochilar e vc tinha um cheiro parecido com o daquele incenso. Era isso... Por que eu tive vergonha? Ah,... Eu . .. Eu acho... Acho que porque fiquei pensando que vc não deixaria de verdade eu fazer isso e porque eu penso que vc tem um pouco de medo de mim, às vezes. Eu construí essa imagem pras pessoas de porra-louquice e eu não sou assim. Às vezes eu preciso de socorro e não sei pedir... desculpa. Que vergonha, chorar na sua frente... É. Você tem razão. Nossa! Que merda! Desculpa. Se você for embora... é, eu já disse isso uma vez. Eu fico triste mesmo quando você vai embora, eu queria ficar mais tempo perto de você. Naquele dia eu queria ter falado com você, mas eu sou uma idiota bêbada. Eu começo a perceber que beber tira a minha coragem, não existe beber pra criar coragem. Eu fujo do amor das pessoas também, eu sei como é. .. Não. Você me entendeu mal. Realmente vc tem razão quando diz que eu viajo, eu costumo confundir as coisas. Fala vc agora. ... A minha voz? A sua voz no rádio eu nunca ouvi, mas deve ficar bonita. Eu não gosto da minha voz. ... Vc ficou assistindo a gente naquele dia. Parecia mal, mas eu fiquei sem jeito de perguntar. Quando eu tô bêbada tenho medo de dizer alguma coisa que possa te constranger ou me constranger. ... Tipo o quê?! Agora vc me constrangeu. ... Claro que tem um monte de coisas que eu falaria pra vc bêbada que eu não falaria sóbria. ... Agora eu estou sóbria. ... Tá bom. Deixa eu pensar naquele dia especificamente. Por exemplo naquele dia, eu fiquei a fim de pedir pra dormir na sua casa, mas eu imaginei que vc ia dizer que não dava e eu poderia te falar alguma coisa sobre vc ter medo ou não confiar em mim, sei lá. Eu nem sei se vc ainda gosta dessa mulher de quem vc me falou naquele dia por exemplo. Eu tenho alguns homens que eu amo também e com quem não resolvi as coisas direito ainda. ... Estão longe, vc tá aqui. ... É que eu já tentei algumas vezes. Sei lá. Acho que eu tô te cansando. ... Já falei sim. ...Vamos. Eu te deixo na porta da sua casa.


Terapia II

Agora sua lembrança para mim é um cheiro.
Eu prolongo a aspiração de sua lembrança.

Terapia III

Sim. Se é pra responder tua pergunta, sou uma mulher romântica sim. Você é que não é nada galante. Procura minha amiga e foge de mim. Naquele dia eu tinha conversado já com o primeiro cara que eu pedi em casamento. Ele riu da minha sinceridade.
Acho que eu preciso ser sincera mais vezes. Essa história de romantismo faz a gente mentir pra caralho. Sobretudo pra nós mesmos.

Terapia IV

Foi ridícula sua pergunta. Eu vou até você. Fico ao seu lado sem conseguir sair fora até umas horas. Depois, sem alternativa sua – traumatizado com mulheres que bebem - vou embora e transo a noite inteira com o cara que é a fim de mim. E pela manhã vc pergunta onde eu estive? Sou romântica, mas vá se foder!
Ao menos aprendi com vc o que é uma acelga.

Terapia V

É que imagino que seria um pouco melhor com vc, só isso. Agora já estou melhor, mas vc me fez mal...

Terapia VI

Me disseram para vir até aqui pra gente conversar. Eu não sei o que devo dizer. Esqueci o que devia te falar. Já disse que não sei conversar. Pra falar a verdade, meu amor por vc é leve. Só fiquei chateada com aquela história de bebida. De beber e ficar rude.
É, acho que só fiquei chateada porque a gente, quando sente desejo e ouve um não, não sabe o que fazer do corpo. Logo vc que me orienta sobre meu corpo. Acho que meu corpo associou vc àquele cheiro de incenso e te assimilei diferente. E também preciso dizer de quanto contente fiquei de segurar sua mão, mas isso vc já sabe. Era só isso que eu tinha pra falar.

Terapia VII

Agora a gente conversa tranqüilo e te encontrar namorando não me ofende os sentidos. Vejo você fazendo tudo que eu queria fazer ao lado de alguém como vc, enquanto que eu sigo só e seguia ainda quando estava junto da minha última companhia. Obrigatória e escolhidamente só. Fico feliz por vc, mas um pouco frustrada. Penso que deveria parar de beber mesmo. Não dá pra comportar mais em mim isso que me deixa frágil e forte, talvez até rude mesmo, como vc disse. Aquilo que parece deixar-me livre e me prende em mim e nas minhas palavras mais sinceras. Ninguém quer saber de sinceridade nesse mundo.

Nenhum comentário: