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sábado

Memórias do subcutâneo

Súbita memória líquida: um passeio no Parque da Luz num aniversário em que um banho de chuva foi o presente que me dei. Naquele tempo faltavam já algumas árvores, mas aquelas mais antigas falaram comigo e tive certeza de que se lembravam de mim criança brincando à sombra delas. Prometi voltar e escutar de novo as árvores, falar de mim pra elas.
O fragmento de um sonho que quase dá pra colocar na mão, estou sozinha esperando o onibus em Pirituba numa manhã de domingo decorando um texto.
Para cada coisa que ela perde no labirinto do esquecimento, tento desenterrar outra na arqueologia das minhas lembranças. É minha mãe que usa fralda agora e é tudo tão fácil. Penso na vida dela mãe solteira lavando fralda de pano na mão, passando a ferro, trabalhando fora e me ensinando a fazer comida e tricô. Daí vê-la hoje com a agulha na mão concentrada e esquecida do que estava fazendo há um minuto, se era cerzir, se era pregar um remendo.
Vejo minha avó com o lápis na mão me ensinando a conta dos noves fora; me benzendo pela última vez.
Meu avô segura minha mão e atravessamos a rua para visitar minha mãe no hospital e eu estava com uma calcinha rosa cheia de babados na bunda e chorei falando pra ela que minha tia não sabia me dar banho. "Ensina pra ela".-me disse com uma ternura que ainda usa certas vezes que deito no colo dela. Meu avô parando de fumar e eu furtava balas do bolso do seu paletó.
Tal como se eu imergisse numa banheira de memória e abrisse os olhos lá embaixo.

13/12/2015

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