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quinta-feira

Esta voz despenteada pela manhã

Eu quero agradecer ao Temer pelos golpes. Graças a eles vi muita esquerda, direita e até centrão sair de seu lugar de conforto e ir pra rua, pro boteco, pra esquina, pro acampamento, pra Brasília de novo.
Eu quero agradecer ao Bolsonaro pela sua colostomia reversa desde antes da facada. Precisávamos muito de alguém pra expôr a merda e pra todo mundo parar de achar que é branco e classe média, quando na real tamo tudo no mesmo balaio faz tempo.
Mas eu quero agradecer mais é pros griôs erês que frequentam aqui. Quero agradecer aos pastores, mas agradeço mais às pastoras que não querem me converter em ninguém que não sou e que me respeitam quando vou na igreja rezar, mesmo eu já tendo avisado que sou budista macumbeira. E gay. E artista.
Eu quero agradecer a todo mundo que disse não porque a fase da negação faz parte do processo, mas agradeço mais a quem disse sim porque é do sim que nasce a empatia e a compaixão e o abraço e o afeto.
Eu quero agradecer todo mundo que me doou comida, dinheiro, preces, carinho, amizade, visitas, presença e que me ajudou a cuidar da minha mãe. Mas agradeço ainda mais a ela por sobreviver a mim, quando nem eu sei como sobrevivi até aqui.
Eu quero agradecer pelas curas nas quais tropeço todos os dias.
Agradeço até pelo mato que cresce pra me lembrar que tudo ao meu redor tem força, uma força que espelha a minha.
Agradeço por todos os trabalhos, mas especialmente por poder fazer arte em tempos duros.
Se depois de Auchwitz a poesia não faz mais sentido, que eu deixe minha forma humana-palavra para habitar outra coisa... este devir que parece só fumaça soprada pelo fogo que me transformou.

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