O amor é uma linha na mão de uma senhora de muita idade que junta os retalhos numa colcha colorida. A mulher costura devagar retalho a retalho. Os pedacinhos de pano são velhos, mas não o suficiente para serem gastos, assim como a mulher. A linha é invisível, por isso a cena parece inverossímil, mas não é. A agilidade da mulher é tão serena quanto seus cabelos e seus olhos são serenos. Ela está numa sala iluminada pela luz do fim da tarde vinda de uma janela grande e semi-aberta. Não há cortinas. O pedaço da colcha que já foi costurado quase encosta no chão encerado de madeira. Quando costura, é como se a mulher não tivesse mais idade, nem história. Quando costura, esta mulher se sente útil. A gente fica pensando que provavelmente esta colcha não é para ela, porque as mulheres não costumam fazer muitas coisas para si mesmas. A gente fica pensando na mágica deste fio invisível que junta pedacinhos tão diferentes. Esta mulher não é quadro, não é pintura, não é filme, não é texto, assim como suas mãos não são arte nem linguagem. A gente fica pensando na solidão dessa mulher nesta tarde e na nossa própria, porque não há como não ser sozinho. A gente fica pensando em como pode ser simétrica uma colcha feita com pedaços de tamanhos diferentes. A gente não sente perfume de flores, sente o cheiro do pano, da linha e da mulher. Dá vontade de ficar olhando para ela a vida toda, mas a gente sabe que logo mais a colcha ficará pronta e a mulher se levantará para entregá-la e virá em nossa direção com a colcha dobrada nas suas mãos serenas e a gente não conseguirá não sentir medo, emoção, dor, afeto e uma alegria transparente quando recebermos nas mãos esta colcha com os olhos rasos. A mulher não sorri, nem nós. Depois ela fecha a janela e descansa.
texto de agosto de 2007
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