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quinta-feira

Anna e o silêncio

Uma caixinha de música no meio da sala.
A sala é ampla elegante e vazia. Poucos móveis. A música da caixinha ecoa nas paredes alvíssimas. A grande porta de vidro dá para a varanda e está fechada.
Uma mulher vem pelo corredor. Usa um vestido vermelho longo, traz uma taça na mão esquerda, a pele pálida como as paredes. Seu nome é Anna.
Ela espera que a música cesse, esvazia sua taça de um só gole e dá corda até o fim. Enquanto a música preenche sua ampla sala vazia, Anna some novamente pelo corredor com a taça na mão esquerda. Quando volta com a taça cheia a música já está findando lenta. Ela esvazia a taça num só gole. Fica em silêncio por alguns instantes e então abre a grande porta de vidro com vagar. De fora chegam barulhinhos distantes e agudos de bicho misturado com máquina.
Ela dá corda à caixinha e mete-se pelo corredor segurando o vestido e a taça vazia.
É noite. Nenhuma luz mais entra pela porta de vidro.
Anna retoca seu batom usando um espelho de mão na sala iluminada por uma luminária artesanal de fibras.
Ela não dorme há alguns dias e tem olheiras fundas, por isso é obrigada a retocar a maquiagem sob os olhos também.
Anna vai até a varanda. Volta à sala. Sente vontade de dar corda á caixinha novamente mas não o faz. O silêncio começa a invadir a sala e o pensamento dela, um silêncio muito fundo, muito bom. Mas para distrair-se ela levanta-se e novamente some pelo corredor com sua taça nas mãos.
Só depois de esvaziar novamente a taça de um só gole, é que ela dá corda à caixinha e permanece ouvindo a música que vai se misturando com um silêncio de fundo. O silêncio que fica quando acaba a última nota da música no meio da noite, não é igual ao silêncio que fica de fundo enquanto a música soa. Ela aguça os ouvidos. Desiste.
Agora seu vestido está sobre o sofá. Anna segura seu espelho de mão junto ao rosto e mira-se. Depois de alguns instantes, começa a retirar a maquiagem do rosto. Se detém um instante enchendo e esvaziando novamente a taça.
Anna está deitada no chão de sua sala vazia. Sua taça está vazia. A caixinha ressoa aguda muito longe. Sua mente está em silêncio. Seu vestido vermelho dança sozinho pela sala ampla, quase sem móveis. A luz bruxuleante da manhã vai apagando a luminária.

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