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terça-feira

Rosa Vermelha

Viajou.
Ela não está acostumada. Acordar sem a carícia.
Fumaça, logo cedo, fumaça. Cedo não. Que horas são?
Essa coisa de viajar. A menina também vinha de fora. Menina, não.
Ela não está acostumada a ver seu próprio corpo assim. A mulher ideal, nunca entendeu isso também.
Olhou uma travesti na rua: É a mulher ideal, tem dois peitos e um pau. Riram.
Minha amiga falou que peito é pra caber na boca, não na mão.
Fora de mão.
O eixo?
Nossa relação não anda muito bem, ela disse. E viajou.
Enquanto isso, pra não ficar sozinha, ela procurou uma mulher ideal. Era seu primeiro programa.
Não queria discutir o assunto, mas a mulher ideal era muito jovem. Jovem o suficiente para precisar de uma mãe. Mas era só o que faltava: brincar de boneca.
Durante toda sua infancia, brincar de boneca com as amigas era uma relação lésbica intuitiva.
Como era mesmo o nome daquela menina? Não importa, não queria brincar de boneca, queria sexo. Puta noite bonita e caiu um temporal de repente.
Levantou cedo. Cedo não.
Ela - Que horas são?
Ela - Nove e meia. Por quê? Você tem compromisso?
Foi tomar banho.
Ela - Eu gostei de você.
Ela - Pára com isso, preciso ir embora.
Ela - Vamos por aqui?
Ela - Fica fora de mão.
Ela - Estou literalmente nas suas mãos.
Ela - Não achei graça.
Eixo?
Dormiram girando. É o mundo.
Ela - Isso é silicone ou é seu?
Ela - É meu, eu que paguei. - Riram.
Não tem a menor graça acordar sozinha. Ler jornal, então. Puta garoa logo cedo.
Rádio - São onze horas, horário de Brasília.
Futebol, internacional, a guerra, a eleição, a cor do dia, os quadrinhos, piadinhas, artigo muito interessante sobre...uma foto. A mulher ideal está deitada de costas. Não respira e quiçá seu corpo cheire mal.
Ela não consegue despregar os olhos. Ela detesta sensacionalismo. Ela não consegue tomar café. Ela liga.
Ela - Oi, te acordei?
Ela - Não.
Ela - Eu vou passar aí hoje à tarde, pegar minhas coisas. Cheguei ontem.
Ela - Não vai dar.
Ela - Por quê?
Ela - Eu vou sair.
Ela - ...
Ela - Me liga amanhã e a gente combina.
Ela - Vai sair? Sozinha?
Ela - É. Vou sair sozinha.
Minha amiga falou que eu era perfeita: nem bonita demais, nem feia demais.
Ela - Você é linda! - dançaram de rosto colado.
Eixo deslocado. Queixo solto.
No rádio disseram que ela acordou morta numa república. Acordou, não. Que horas são?
Tempo chuvoso e é cedo demais ainda. Ela não consegue mais voltar pra cama.
Sem mais nem menos, nesse dia, ela resolve levar pra casa uma rosa vermelha.

(por ocasião da notícia da travesti de 17 anos que morreu em São Carlos em consequencia de uma infecção generalizada por injetar silicone nos glúteos)

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