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segunda-feira

Mãe,
Hoje lembrei que foi você que me ensinou a ser preta.
Me falava com ternura do vô, seu pai preto, com tanta saudade dele, você adoeceu.
Depois sarou na macumba. Um preto velho cuidou de você, Cosme e Damião cuidaram de mim. Daí fiquei kardecista até entrar na universidade. Uma macumba de branco francês à qual sou grata. Sempre serei grata por você ter dito: "Não batiza. Ela escolhe a religião quando crescer". E eu cresci, mãe, mas ainda lembro das tardes rezando o terço com vó, de ler os livros do Chico Xavier, lembro de Omulú dançando e titia comigo no colo, lembro de ver a bisa no retrato com os cabelos pretos, índia que sempre foi, lembro de ouvir o vô chegando em casa e comendo na cozinha depois de morto. Lembro dos espíritos preenchidos de luz que vi em nossa casa de Pirituba.
Mãe, eu fui na igreja de São Benedito agradecer por poder levar o Meu Boizinho de Papel para crianças pobres em Florianópolis. Depois eu fui na catedral agradecer Nossa Senhora Aparecida por minha saúde, pedir pela saúde da família universal, especialmente saúde mental. Pedir que eu possa levar cura e alento à família universal. Ontem eu vi muita gente com fome na rua, vi dor nos olhos do meu amigo e nos de uma mulher que não pude ajudar. O que posso fazer é tão pouco.
Mãe, o samsara entrou num redemoinho doido. As pessoas estão adoecendo de tanto trabalhar, de tanto odiar, de tanta sede. Eu vi você saindo desta casa e eu vou também. Preparo minhas raízes aéreas para alcançar a próxima árvore grande e me enramar pela floresta.
Mãe, você me ensinou a ser preta, a ser livre, a cuidar das pessoas, a valorizar a vida e a saúde, a ser justa, honesta, a me defender, você me ensinou tudo, me deu tudo antes de ir. Eu peço perdão pelas minhas palavras duras, peço perdão pela minha falta de paciência e pelo sentimento de raiva que cultivei, peço perdão por não ter sido uma filha melhor, nem tão boa mãe pra você quanto você foi minha. Eu peço perdão por cada vez que minha vó te bateu e peço perdão por ela ter me tirado de você. Agora nós todas somos uma só curadas do desamor, curadas pela luz que emanamos que é maior e mais forte que qualquer escuridão oculta.   
Mãe, te agradeço pela sua loucura que me salvou da sanidade doente.

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